impacto do evento para a área de filosofia da educação

Muitas são as temáticas que interessam à reflexão filosófica sobre a formação humana, mas acreditamos que é chegado o momento de elegermos, como eixo central que orienta e dá sentido a todas essas tematizações, a discussão sobre a própria área da Filosofia da Educação e o lugar que lhe é hoje reservado não só no seio dos estudos sobre a educação, mas igualmente das iniciativas e investimentos que se dirigem para esta área. Entendemos que recaem sobre a Filosofia da educação as sobras de uma pesada  reputação, ligada ao dogmatismo de índole metafísica  que, no passado, estava associado à prática doutrinária que coube ao ensino da filosofia. Constatamos também, com grata satisfação, a forma como as humanidades, e a área da educação entre elas, passaram a encontrar no esforço crítico que a filosofia contemporânea empreendeu e continua a empreender os instrumentos privilegiados para a tarefa de desconstrução dos preconceitos, de luta contra a desigualdade e a injustiça social. Este enorme sucesso contemporâneo da filosofia correspondeu, entretanto, ao desaparecimento, sobretudo no continente norte-americano, mas não apenas aí, dos departamentos dedicados à filosofia. A consequência mais direta desse fenômeno, além da presença de filósofos em diferentes departamentos das humanidades, foi o desaparecimento das disciplinas especificamente voltadas para a Filosofia da educação, nos cursos de Pedagogia. No cenário atual brasileiro, a área de filosofia da educação, que em um passado recente ocupou um lugar de destaque na constituição dos fundamentos da educação, tanto nos programas de formação de professores dos cursos de licenciatura, como também nas linhas de pesquisa dos programas de pós-graduação em educação, hoje se situa à margem das questões mais relevantes. Assume-se, assim, talvez, que «todos somos filósofos», o que sem dúvida, se não é uma verdade, poderia se constituir em todo um programa de política educacional…  Mas ocorre que o recurso improvisado e nem sempre sistemático aos autores de obras filosóficas acaba por trazer consequências menos favoráveis do que poderia parecer em um primeiro momento. O aligeiramento da reflexão sobre a educação pode, neste sentido, ser deduzido da ausência de um trabalho minucioso de estudo, crítica e de comentário das obras em voga, ou que deveriam ser conhecidas pela área. Em razão das novas interrogações trazidas pela ampliação das tecnologias da informação e comunicação e pelo avanço da inteligência artificial, parece extremamente importante que se redobrem o rigor e a atenção às bases conceituais e teóricas que servem às nossas análises e práticas. Cabe a nós, da Filosofia da educação, garantir para a área a visibilidade e o interesse que ela merece, pela força instrumental do aparato analítico que lhe assegura o patrimônio do pensamento em ação, por sua capacidade crítica, pela enorme diversidade de perspectivas e abordagens que hoje acolhe e faz frutificar. Uma área decerto aberta à pluralidade de questões e desafios com que se enfrenta a formação humana na atualidade – e que constituem a razão primeira de sua atividade – mas que busca, por meio do estudo sistemático das temáticas e autores, contribuir para o aprofundamento e a constante renovação do pensamento da educação. Crítica e criação são as forças que nos permitem ir além dos limites da simples denúncia e dos perigos da reiteração. Pensar o espaço político da Filosofia da educação parece ser hoje, enfim, uma urgência, não só para nossa disciplina, mas para toda a área da educação e para a prática da formação humana. Por isso, propomos como título do V Congresso da Sofie: A Filosofia da Educação como crise e como prática.

Tema de sonhos e idealizações, e de prognósticos triunfalistas ou catastróficos que alimentaram as fantasias sociais dos séculos precedentes, o novo milênio começou, contudo, sob o impulso das profundas transformações que haviam marcado os séculos anteriores em termos de desenvolvimento técnico-científico, de questionamento dos valores tradicionais e de introdução de novos hábitos e atitudes, num processo agora sem dúvida acelerado em virtude das inauditas condições de difusão e circulação de informações, de bens materiais e culturais, de todo tipo de comunicação com que passou a contar o mundo. Se a metáfora do «encurtamento das distâncias» não ilustra forçosamente uma aproximação dos povos, ela ao menos indica com clareza que para o bem tanto quanto para o mal é sob a égide da diversidade que a atualidade se constrói. Eis porque a noção de multiverso, intuída por Anaximandro, N. de Cues e Bruno e teorizada pela mecânica quântica e pela cosmologia a partir do século XX acaba por inspirar o uso corrente do termo no campo das humanas, onde designa a já insofismável coexistência de modos de ser individuais e coletivos que desafiam as imagens de unidade tão longa e, por vezes, impiedosamente construídas pela tradição ocidental, e isso a despeito das profundas desigualdades que acompanharam a história. Paralelamente a isso, o primeiro quartel do novo milênio traz igualmente consigo a recrudescência igualmente irrefutável da crise em nosso habitat natural, manifestada por mudanças climáticas incontroláveis, pela emergência de pandemias, por desastres ambientais e escassez de recursos que levam a novos fluxos migratórios e obrigam a novos comportamentos. Também aqui, os sentimentos de fragilidade e de insegurança tornam-se um quinhão comum, implantando-se ali onde, justamente, o progresso civilizatório se apresentava como fortaleza de conforto e segurança, favorecendo extremismos e novas formas e xenofobia e preconceito. Tudo isto obriga à reflexão. E se o diagnóstico de colapso das instituições sociais de base – família, religião, habitat, escola, trabalho – tão comum no fim do século passado, talvez deva ser reavaliado, em virtude da complexidade dos movimentos de reação às mudanças, nem por isso é hoje menos importante que se possa multiplicar os procedimentos e meios pelos quais se busca elucidar os impasses da atualidade, em vista da deliberação dos destinos comuns da coletividade. Há, porém, que considerar que pelo menos duas grandes instituições forjadas na Modernidade – justamente aquelas responsáveis pelo que Kant denominava «as mais difíceis descobertas humanas»: a «arte de governar os homens e a arte de educá-los» sejam as mais abaladas pelo processo de contínuo desinvestimento social. Do ponto de vista político, a crise da representação que estiola partidos e desarranja a estabilidade da organização política instituída é um fenômeno mundial, para o qual, apesar das inúmeras análises, nenhuma resposta válida parece ter sido produzida.  No que respeita ao problema da formação humana, para o qual a Modernidade ofereceu uma solução inédita, que não é senão a outra face do aparato político então instituído: a escola pública, que passou a modelo central para a prática da educação. Costuma-se associar os impasses com que tem hoje que se haver à introdução das novas tecnologias de comunicação e informação, que teriam rompido com o monopólio da escola: mas isso só diz respeito à sua função de transmissão de conteúdos, de fato superestimada pela Modernidade. Resta, contudo, a tarefa mais nobre, que é a de preparar as novas gerações para os desafios que serão os seus, em um mundo entendido como marcado pela coexistência da pluralidade, pela precariedade e pela instabilidades que definem a existência humana.

Além disso, A área de Filosofia e, consequentemente, de Filosofia da Educação têm, por sua própria índole, a exigência de, mais do que multidisciplinaridade, de permanente prática de interdisciplinaridade. Do ponto de vista epistemológico, a interdisciplinaridade se oferece como procedimento tornado indispensável face à complexidade da realidade social e humana e à fragmentação do conhecimento que lhe é correlato. Repare-se, todavia, que não se está aludindo à noção da Filosofia da Educação como uma espécie de superdisciplina que, englobando as diferentes tradições disciplinares, as recupere em uma unidade ideal, como pôde ser o caso anteriormente: tal recurso, além de sedimentar de forma bastante artificial e abrupta um conhecimento que é forçado, por sua própria natureza, a permanecer dinâmico, não faria mais do que protelar os problemas atualmente encontrados, na medida em que daria necessariamente lugar a um novo campo disciplinar. Dessa forma, por mais útil que possa por vezes se revelar, importa menos a justaposição dos avanços obtidos pelas diferentes disciplinas envolvidas, do que a aquisição de uma atitude investigativa caracterizada pela exigência de questionamento permanente dos limites conceituais e teóricos com que é chamada a trabalhar e premida pela necessidade de fazerem interpenetrar-se interrogações e práticas conceituais que constituem os saberes instituídos e, sobretudo, suas fronteiras. Mais ainda, do ponto de vista teórico, a interdisciplinaridade, tal como é definida no interior da Sofie e posta em prática no V Congresso, atende justamente à necessidade de crítica a essa concepção de construção do conhecimento que, sobrevalorizando a complementaridade que resulta da adjunção de perspectivas teóricas díspares, acaba por oferecer sobrevida ao mito da neutralidade do saber, mascarando os conflitos e contradições constitutivos da atividade teórica. Longe de pretender desfazer o embate de sentidos e concepções produzidos para a realidade social e humana em uma configuração única, acredita-se que o confronto dos diferentes pontos de vista, projetos e interesses teórico-práticos fornece acuidade e dinamismo ao processo de construção do conhecimento, produzindo, para além de sínteses provisórias advindas de negociações tornadas possíveis, um rigor renovado, oriundo da ênfase no caráter deliberativo do saber sobre a sociedade e o humano. No V Congresso, entre as áreas chamadas a dialogar com aquelas que definem as diferentes subáreas da Filosofia e da Educação, devem-se citar a a História, os Estudos Comparativos, as Ciências Sociais, a Linguística, as Artes, a Ciência Política